quinta-feira, 5 de julho de 2012

ALCAIDE

O PRIMEIRO COMBOIO – COMBOIO REAL

No dia 6 de Setembro de 1891, data da inauguração da Linha da Beira Baixa, parou o primeiro comboio na Estação do Alcaide: o comboio real com o Rei Dom Carlos e a Rainha Dona Amélia.
O comboio real saiu de Sintra no dia 5 de Setembro, pelas 8H15M, chegando a Castelo Branco pelas 15H50M. Nesta cidade, pernoitou a família real e a comitiva que a acompanhava, na qual se incluia o alcaidense Conselheiro João Franco.
No dia 6 de Setembro, o comboio partiu de Castelo Branco, pelas 12H00M, e chegou à Estação do Alcaide às 13H57M. Na estação, juntou-se muito povo, com lançamento de foguetes, para saudar o Rei e a Rainha, e festejar a abertura da linha férrea, muito importante para o desenvolvimento das terras do interior.
O traçado da linha férrea estava traçado para seguir por Vale de Prazeres, Catrão, Capinha e Caria, não perfurando a serra da Gardunha, mas, a pedido das gentes de Alcaide, Fatela e Fundão, com influência de João Franco, o traçado foi alterado, sendo aberto o túnel de Vale de Prazeres, da Gardunha ou do Magalão, passando a linha por Fatela-Gare, Alcaide, Fundão. Consta que o Rei Dom Carlos, nessa data, esteve no Alcaide, na casa do pai de João Franco, Frederico Franco, que era Moço do Reino.
Memórias desse acontecimento, são um desenho do comboio real, parado na estação do Alcaide, publicado na imprensa local, e o respectivo horário.

Desenho relativo à paragem do comboio real na Estação do Alcaide, no dia 6 de Setembro de 1891.


Horário do comboio real, relativo à inauguração da linha da Beira Baixa.







domingo, 17 de junho de 2012

OS PIRILAMPOS NO ALCAIDE




            Os pirilampos são animais nocturnos, que vivem nas pradarias, nas margens dos rios e ribeiras, nos campos agrícolas e nos jardins, com a seguinte classificação: Filo - artrópodos, Classe - insectos, Ordem - coleópteros, Família - lamperídeos.
Estes insectos apresentam características bioluminiscentes, com emissão de luz fria, de tipo fosforescente, produzida por uma substância designada «luceferina», que o próprio corpo produz e que, em contacto com o ar ou a água, produz uma luz, normalmente, amarela-esverdeada, mas que pode ir do verde ao vermelho, com grande libertação de energia luminosa e pouca libertação de calor.
            A luminescência é um aviso de toxidade para os predores e um sinal para o acasalamento, que acontece entre Maio e Setembro. 
            Na aldeia de Alcaide, concelho de Fundão, os pirilampos, na designação popular, «caga lumes» e «luzcus», parece terem desaparecido há cerca de algumas dezenas de anos. Nos últimos anos, foram observados, nos meses de Maio e Junho, num quintal na Rua de Santo António Nº 41, alguns exemplares que classificámos, provisoriamente, salvo melhor opinião, como Pirilampos Lampyris noctiluca e Lampyris iberica.
Na primeira semana de Junho passado, apareceram, no referido quintal, seis exemplares, que foram fotografados com algumas deficiências, por a objectiva não ser apropriada. Creio que não foram avistados exemplares em outros locais próximos. Naquela quintal, com dimensões exíguas, onde não entram quaisquer produtos químicos, pairam alguns pássaros, grilos e muitos outros insectos, entre os quais a borboleta Papillio machaon, lagartixas, osgas e, por vezes, ouriços-cacheiros, toupeiras e pequenas cobras.

            Os Pirilampos são agentes bioindicadores, pois, indicam a qualidade a as características do ambiente. São animais sensíveis às alterações ambientais, como poluição, destruição de vegetação, mudanças climáticas, etc.. São os primeiros seres vivos a desaparecer com aquelas alterações.
            Os insectos adultos, machos e fêmeas, têm cor cinzento-amarelada ou acastanhada, o corpo achatado formado por segmentos articulados, apresentando grande dismorfismo sexual. Os machos, com 1 a 1,5 cm de comprimento, com cabeça pequena, apresentam asas posteriores membranosas cobertas por asas anteriores rígidas. As fêmeas, com 1,5 a 2 cm de comprimento, apresentam os últimos segmentos do corpo totalmente luminosos.
            Existem cerca de dois milhares de espécies de pirilampos, algumas em que os machos voam piscando nos ares, à procura de fêmeas, que os atraem com a luz que emitem.
            Os pirilampos são carnívoros alimentando-se de lesmas, caracóis e vermes. Alguns autores referem que também comem ervas. Segregam um líquido, pela boca, que anestesia as presas e as liquefaz, limitando-se, depois, a ingerir a massa líquida.

Luminescência de pirilampo, foto tirada de noite sem flash.
Luminescência de pirilampo em foto tirada de noite sem flash; a parte dorsal com dois pontos luminosos, num segmento da parte anterior do corpo, dois pontos luminosos num segmento na parte posterior do corpo e os três últimos segmentos totalmente luminosos, próprios das fêmeas dos pirilampos Lamprohiza sp, Lamprohiza paulinoi e Laprohiza mulsanti.

Luminescência de pirilampo em foto tirada de noite, sem flash, parte dorsal, com alguma iluminação. Notam-se um dos pontos luminosos, na parte anterior do corpo, dois pontos luminosos, na parte posterior, e os últimos segmentos totalmente luminosos, como na foto anterior.

Lampyris iberica, fêmea, foto tirada de noite com flash.
Lampyris iberica, foto tirada de noite com flash.

 
Lampyris nocticula, larva, foto tirada com luz do dia.
Lampyris nocticula, larva, foto tirada com luz do dia.
Nyctophila reichii, fêmea, com asas rudimentares, foto tirada de noite com flash.

segunda-feira, 30 de abril de 2012

OS MAIOS NO ALCAIDE

 
 No dia primeiro de Maio, era costume alguns rapazes, homens ou mesmo mulheres vestirem-se de Maio, para pedirem as Maias. Revestiam o corpo com giestas floridas e, pegando num varapau comprido, percorriam as ruas, parando às portas, normalmente de gentes ricas ou abastadas, para pedirem as Maias, gritando: - Maio!
As Maias eram figos secos, avelãs, nozes, rebuçados e castanhas piladas, que as pessoas atiravam das janelas ou das varandas. Os Maios agitavam um varapau sobre os produtos atirados, para que a garotada, em gritaria, não os apanhasse todos e que um seu ajudante fosse guardando alguns num saco. Entre a garotada, algumas mulheres levantavam os aventais, para que neles caíssem algumas Maias, que guardavam. Normalmente, algumas casas davam Maias, também,  em dinheiro, que era divido pelos Maios e seus ajudantes.
Os Maios inserem-se nos antigos ritos cíclicos de fertilidade e de louvor à Primavera, tempo de flores e de sementeiras.
Actualmente, ainda uma ou outra pessoa se veste de Maio, com as tradicionais giestas floridas, percorrendo as ruas a pedir as Maias, lembrando memórias de outros tempos. Alguns rapazes e raparigas ainda batem à porta das casas a pedirem as Maias, mas sem o ritual e as giestas das antigas tradições.

Um Maio revestido com giestas floridas e o varapau.
  

O DIA DOS ENGANOS

Para além do dia 1 de Abril, o dia um de Maio, até fins do século passado, era o dia dos enganos, dia das mentiras ou dia das petas. O costume foi morrendo para os adultos, mas continuou nas brincadeiras e alegria de algumas crianças.
Nesse dia, as pessoas tentavam enganar as outras, dizendo ou contando coisas que podiam acontecer e, ao verem os interlocutores a acreditaram, gritavam-lhes: Maio!  E riam. Por exemplo:
          - Ó Zé! Tens as calças rotas no cu!
 O Zé logo ia apalpar as calças, gritando-lhe o outro:
          - Maio!
 E riam ambos.




domingo, 22 de abril de 2012


ALCAIDE – AS ORIGENS


            Como a maior parte das povoações, o Alcaide tem o seu mito ou a sua lenda de fundação, fundamentado na luta contra um invasor. Diz a tradição oral que a primitiva povoação teria sido erguida, em tempos muito antigos, no lugar de Torrinha, nas terras baixas, onde dizem ter existido um povoado romano, denominado Vila Silva, a pouco mais de um quilómetro a norte da actual aldeia, de onde a população teve que fugir devido a uma praga de formigas, instalando-se no ponto alto, onde se encontra.
            O Alcaide tem uma longa história de cerca de oitocentos anos. Passou de um pequeno lugar[i] a aldeia[ii], depois foi vila[iii] e sede de concelho, desde o tempo de D. MANUEL I, supõe-se que desde 1515[iv]). O concelho durou, segundo uns, até 1636, ou, segundo outros, até à fundação do Concelho do Fundão, este criado por Carta Régia de 10 de Maio de 1747[v], passando, desde esta altura até às reformas liberais de 1836, a Concelho de Autonomia Imperfeita.

            Em O Tombo dos Bens, Foros e Propriedades que Pertencem ao Concelho da Villa da Covilham[vi], mandado fazer por D. Filipe II, em 1615, refere o Concelho do Alcaide com um Escrivão da Câmara, de nomeação régia, dois Juízes, dois Vereadores, um Procurador, todos eleitos em cada ano, nos termos da lei, com jurisdição na eleição dos almotacés, jurados, porteiros e quadrilheiros.[vii]
            O mesmo Tombo refere o Concelho do Alcaide, com uma população de 350 vizinhos (famílias, fogos, casas habitadas), do seguinte modo:

Huma praça que não tem pelourinho e huma caza de câmara que ao presente esta caida em qual esta huma corrente em que metem os presos, e assim tem huma caza de carniçaria junto da caza do conselho e outra na corredoura e curral do conselho em que metem o gado que acham nos danos e coutadas e a renda das coimas em que sua magestade tem a terça que hus anos por outros rende outenta mil reis pouco mais ou menos.

            O Concelho do Alcaide, com sujeição ao Concelho da Covilhã, apenas nas justiças relativas ao Crime e aos Órfãos, passou, em 9 de Julho de 1747, a tributário do Concelho do Fundão, com jurisdição entre os limites da Solada, Alpedrinha, Alcongosta, Donas, Ribeira do Paço, Chãos, Fatela, Catrão e Carvalhal, com vida de jurisdição de autonomia imperfeita, continuando a ser governado por dois Juízes ordinários, com corpo da câmara, cuja eleição era feita pelo Corregedor da Comarca, tendo apenas alçada Cível, com apelação para a Relação do Porto, e no Crime e Órfãos estava sujeito ao juiz de fora da Vila do Fundão, capital do seu termo.[viii]

            Segundo JOSÉ MENDES FELIZ[ix], uma notícia da primeira metade do século XVIII refere que a vila de Alcaide era governada por dois Juízes Ordinários, dois Vereadores e dois Almotacés, com Casa da Câmara, dependendo, em relação à justiça relativa ao crime e órfãos, da vila da Covilhã e à Relação do Porto no que dizia respeito ao cível. Pertenciam ao Alcaide o Lugar ou Aldeia da Cortiçada e o sítio ou quinta dos Folhadeiros.
            A Vila de Alcaide é confirmada como Concelho da Comarca e Distrito de Castelo Branco, por Decretos de 28 de Junho de 1833 e de 18 de Julho de 1835, como tributário do Concelho do Fundão, sendo extinto na segunda metade do século XIX, passando a povoação à designação de aldeia.

            As Memórias Paroquiais de 1758 referem que a povoação de Alcaide é de El-Rei, Nosso Senhor, e não tem donatário, tendo como anexa a povoação da Cortiçada, com 15 vizinhos, em quintas, e 57 pessoas, e tinha a regalia da apresentação do Cura de Vale de Prazeres ao respectivo Prior.[x]
            Desse tempo áureo, restam a Casa da Câmara, situada no Largo da Praça, ostentando o escudo manuelino, e onde estiveram instaladas a Es-cola Primária Masculina, de 1870 a 1954, a sede da Liga dos Amigos do Alcaide, de 1956 a 1990, e a Junta de Freguesia até 1998, e a Prisão, actu-almente na posse de particular, situada na Rua da Nossa Senhora da Oliveira de Cima.

            Pelas terras do Alcaide, beneficiando de uma localização privilegiada, passaram e instalaram-se vários povos ao longo da história. Romanos e Árabes passaram pelos limites do Alcaide. Alguns dos seus caminhos entroncavam com a estrada romana que ligava a Egitânia (Idanha-a-Velha) a Braga. Numa quinta de João Franco, em 1913, foram encontrados denários, moedas ibero-romanas, e, em outros locais, alguns arte-factos romanos, como mós de granito de moinhos manuais familiares.[xi]
                Antes ou depois da fundação de Portugal, os Templários, por certo, que povoaram as terras do Alcaide.
            Na aldeia, foi encontrada, recentemente, uma estela funerária ou cabeceira de sepultura, discóide, de granito, com a Cruz Templária numa das faces.
            Numa casa, situada na rua João Franco, em frente da torre, encontra-se um documento lítico, que teria sido uma sepultura, sarcófago, escavada num bloco de granito, com a Cruz Templária esculpida na cabeceira. O documento material, pelos sinais que contém, deve ter sido utilizado como recipiente de refrigeração de alambique. Depois, o artefacto foi dividido em duas partes, servindo, até meados do século XX, a do lado da cabeceira, a maior e mais larga, de salgadeira para carne de porco, com adaptação de uma tampa de madeira de castanho, e a mais pequena de pia para os porcos comerem, com as adaptações necessárias.
            A Ordem do Templo esteve em Portugal desde a sua fundação, em 1143, até à sua extinção, em 1312, estando instalada em diversos locais da Serra da Gardunha, como Alpedrinha e São Vicente da Beira, que aliava à vida monástica a profissão de guerreiro, para a luta contra os árabes, designados por infiéis. A esta Ordem, se ficou a dever, por certo, o povoamento das terras da Região da Gardunha, porque foram-lhe doadas com a condição de as povoarem, fundando povoações, sempre que possível, a distâncias de cerca de 5 quilómetros.


Brasão Manuelino, na antiga Casa da Câmara.

Antiga Casa da Câmara, na Praça Joaquim Gil Pinheiro. 

Prisão antiga, na Rua Nossa Senhora da Oliveira de Cima.

Lugar da Torrinha, onde, segundo o mito de fundação, foi instalada a povoação. 

 Caminho antigo que ligava o Alcaide à Cortiçada e à estrada romana, que atravessava a Gardunha na Portela de Alcongosta.





[i] Os lugares (do latim locus ou localis) designam a vila (do latim villa), partes da vila ou, por virtude do parcelamento dos campos, uma superfície reocupada por casas de cultivadores ou artífices, não contíguas, mas separadas por glebas, como ainda hoje se verifica (SAMPAIO, 1987:77).
[ii] Segundo LUÍS CHAVES (1963:989), o termo aldeia, nome designativo de povoação rural ou não urbana, foi introduzido em Portugal pelos muçulmanos, sobrepondo-se aos nomes por que eram conhecidos os agregados populacionais correspondentes, no período romano. ORLANDO RIBEIRO (1967:85) refere que o sentido da palavra aldeia é impreciso: tanto designa qualquer ajuntamento de casas que não seja vila nem cidade, isto é, sem funções administrativas e de coordenação, como um aglomerado rural ou piscatório.
Para CLIFORD GEERTZ (1975:197), uma aldeia é mais do que um grupo de casas ou pequeno povoado de carácter permanente, antes se refere a uma comunidade agrícola consolidada, distinguindo-se dos outros povoados, sendo um tipo predominante da comunidade humana.
[iii]  Segundo ALBERTO SAMPAIO (1987:39), a palavra vila denominou primitivamente a vivenda rural do dominus (o senhor), compreendendo, depois, quanto se continha dentro de um prédio rústico (a habitação do proprietário, a dos trabalhadores, estábulos, celeiros e terrenos), constituindo uma unidade rural.
Actualmente, vila significa o núcleo populacional, que goza de categoria jurídica, sem nenhuma conotação administrativa, superior a aldeia e inferior a cidade. (OLIVEIRA, 1976:1126).
[iv]  SILVA, Joaquim Candeias da, 1993:22.
[v]  MONTEIRO, José Alves, 1990:20.
[vi]  Memórias do Arquivo Municipal da Covilhã, folha 20.
[vii]  MONTEIRO, José Alves, 1990.


[viii]  ANTT (ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO), DGP, I, Nº 75, f. 414.
[ix]  FELIZ, José Mendes, 1968: 87.
[x]  ANTT, DGP, I, Nº 75, f. 414.
[xi]  Uma mó romana, manual, encontrada numa propriedade, em meados do século, encontra-se no Museu Alves Monteiro, no Fundão.

sábado, 31 de março de 2012

PERSONALIDADES ALCAIDENSES

CAPITÃO JOÃO FERREIRA FRANCO E FREIRE

João Ferreira Franco e Freire, avô do Conselheiro João Franco, nasceu no Alcaide em 1779 e faleceu na mesma terra em 1858. Foi capitão do Regimento da Idanha, por altura da Guerra Peninsular, tendo sido condecorado com a Cruz de Guerra Peninsular.
Mais tarde, abraçou a causa do Liberalismo, tendo sido nomeado Provedor do Concelho do Alcaide, por D. Pedro IV, como regente do Reino, em 7 de Agosto de 1834, tendo "atenção ao seu merecimento e adesão à causa da Liberdade".
O capitão Franco e Freire foi nomeado Administrador substituto do Concelho do Fundão, em 1841. 


PERSONALIDADES ALCAIDENSES


JOAQUIM GIL PINHEIRO

                Joaquim Gil Pinheiro, conhecido pelo Pinheirinho, nasceu no Alcaide, em 1855, emigrou para o Brasil, em 1878, onde angariou notável fortuna, como apicultor e fabricante de velas. Morreu em 1926, em Coimbra, e os seus restos mortais encontram-se em jazigo, na cidade de São Paulo, no Brasil.
                A este alcaidense, se ficou a dever a exploração e canalização da água para abastecimento da população, bem como a construção, em 1914, dos chafarizes da Praça, que ostenta uma escultura com seu busto, e do Adro, assim como a construção do tanque dos burros, para os animais se dessedentarem. Tem o seu nome perpetuado na Praça, com um busto no chafariz.
                Publicou: Primícias, Poema dos Principais factos da História do Brasil até à sua Independência, 1900, São Paulo, Roteiro de Lisboa – Histórico, Hidrográfico, Corográfico, Arqueológico e Estatístico, 1905, São Paulo, Brasil, com minuciosas instruções ao viajante, que ainda hoje serve de guia, em Lisboa, Memórias de M’Boy, etnográficas, históricas e etimológicas, Os Dois Carecas, comédia em três actos de costumes portugueses, e Maricas, cena cómica em um acto em três quadros.
                Gil Pinheiro deslocava-se várias vezes ao Alcaide, onde construiu um engenho para fabrico de velas, conhecido como Lagar da Cera, destruído há três anos. O lagar ficou na toponímia alcaidense: a Rua do Lagar da Cera, que começa no lugar onde estava o engenho.


Joaquim Gil Pinheiro

Túmulo de Joaquim Gil Pinheiro, no cemitério de São Paulo, Brasil.

O Chafariz da Praça, com o busto de Joaquim Gil Pinheiro, na altura da inauguração.
O lagar da cera.
Vara da prensa do lagar da cera.
Parede lateral do lagar da cera, com pedras onde estava fixa a vara da prensa.



sexta-feira, 30 de março de 2012

AS QUINTAS NO ALCAIDE

                As quintas foram uma característica dominante na paisagem rural alcaidense, quer como forma de organização para explorar a terra, quer como forma de povoamento disperso, ou, ainda, como forma estruturada da sociedade, diferenciada por estratos consoante o lugar ou a área de habitação, e mesmo perante a contribuição para a sustentação do clero, pois, enquanto os habitantes da povoação davam como folar uma prestação pecuniária indiferenciada, aos moradores das quintas, que viviam nestas em permanência, o costume exigia a dádiva de galinhas ou queijos.
                Quinta é uma exploração agrícola, de relativa extensão, que pode ser propriedade própria, arrendada ou, menos vulgar, de parceria, com casa de habitação, palheiro e cómodos para os animais, na qual, os próprios, os arrendatários ou os parceiros vivem em permanência, sendo denominados quinteiros.
A palavra quinteiro é utilizada tendo como referência o proprietário das terras, o patrão, ou seja, aquele que reside na quinta de alguém ou é quinteiro de alguém, enquanto lavrador tem como referência a profissão ou a ocupação de laborar a terra, que pode ser própria ou de outrem.
                As quintas tiveram muita importância no desenvolvimento da estrutura fundiária alcaidense, com o desbravamento dos terrenos e a ocupação humana.
A maior parte da população alcaidense ainda há poucas décadas patenteava grandes dificuldades económicas, atenuadas, depois de 1970, em virtude da emigração e do abandono da actividade agrícola a tempo inteiro, com a procura de actividades mais interessantes e lucrativas. Até meados do século XX, a maior parte da população ocupava-se nas tarefas agrícolas, com as famílias subsistindo com o trabalho das terras, arrendadas aos patrões, ou trabalhando à jorna, isto é, ao dia, com direito a uma retribuição diária: o salário ou a jorna. A jorna podia ser a seco, paga apenas a dinheiro, e a de comer, quando o trabalho era pago parte em dinheiro e parte em comida.
Até 1976, o trabalho agrícola à jorna ou assalariado processava-se desde o nascer até ao pôr-do-sol, correspondendo o pôr-do-sol ao toque das Trindades ou Ave-Marias. Contam os velhos trabalhadores que os patrões, senhores das terras, davam 100$00 (cem escudos) ao sacristão para tocar o mais tarde possível às Trindades, para obrem mais uns minutos de trabalho
                A maioria da população estava subordinada e dependente de uma dúzia de grandes proprietários, que controlavam não só os aspectos económicos, como também os religiosos e mesmo familiares.
As quintas estão relacionadas com a grande propriedade. As 45 quintas, registadas no Mapa 1, estavam na posse de nove famílias, habitadas por rendeiros. Depois dos anos 70 do século passado, algumas quintas foram vendidas a emigrantes ou a antigos quinteiros e rendeiros, encontrando-se algumas parcialmente cultivadas, especialmente com pomares ou mesmo abandonadas.
                A ocupação humana, na área da freguesia, evoluiu ao longo do século passado, reflectindo-se na situação económica e nas mentalidades. A população era identificada pelo lugar em que habitava. Os indivíduos do povo residiam na povoação, os quinteiros habitavam nas quintas, os moleiros moravam nas azenhas. Incluído nas quintas, encontrava-se um pequeno grupo de ferroviários, os da estação, a residir nas imediações da Estação dos Caminhos-de-Ferro.
                Em 1911, em fase de expansão populacional e ocupação dos campos, habitavam nas quintas e nas azenhas 148 pessoas, 11% da população total, que era de 1.356 almas.
                Em 1940, os campos do Alcaide albergavam o máximo de moradores, com 317 quinteiros, moleiros e ferroviários, ou seja 20% da população total de 1.521 habitantes, em 45 quintas (Mapa 1), 13 azenhas e Estação de Caminhos-de-Ferro.
                Em 1960, embora com um nítido abandono das terras, ainda habitavam 255 pessoas, nas quintas, nas azenhas e na Estação, numa percentagem de 21% da população total, que era de 1.237 almas. A percentagem de habitantes fora do povo é sensivelmente igual à observada em 1940, porque a saída para a emigração e para as cidades se verificou, simultaneamente, tanto nos habitantes da povoação, como nos das quintas.
                Em 1981, as quintas estão quase despovoadas, apenas com 23 residentes, 3% de uma população total de 769 habitantes.
Em 1990, viviam fora da povoação 25 pessoas, em nove quintas, uma azenha e Estação de Caminhos-de-Ferro, desconhecendo-se o total da população que deve ter diminuído desde o censo de 1981 (Mapa 2).
                Actualmente, apenas estão habitadas quatro explorações agrícolas, semelhantes às tradicionais quintas, orientadas para a subsistência familiar, com excedentes para o mercado, com as famílias a viverem junto das terras, três do Alcaide e uma oriunda de outra localidade, além de uma exploração, com razoáveis dimensões, orientada para a pomaricultura. Das  azenhas, resta uma que não funciona há uma década, já sem a roda motora.
                Em finais do século XX, as quintas habitadas situavam-se nas imediações da estrada. As pessoas habituaram-se a uma nova visão do mundo, a um novo estilo de vida e rejeitaram viver no isolamento dos campos.
                Os trabalhadores deslocam-se para as tarefas agrícolas e regressam à sua casa, no povo, onde habitam regularmente, com melhor conforto. A população passou a viver no povoado, perdeu-se o povoamento disperso, que animou a paisagem rural alcaidense durante décadas, porque os tempos mudaram. Da vivência campesina, ficaram marcas visíveis, como as habitações abandonadas, algumas em ruína.
                Em 1991, foi iniciada a electrificação das zonas rurais alcaidenses, o que melhorou as condições de vida das pessoas residentes em quintas e beneficiou as terras, mediante as novas condições de trabalho que a energia proporciona.
                Os jovens de hoje mercê de outros atractivos mais interessantes e de novas mentalidades, em vez de seguirem os caminhos do trabalho rural, apanham a camioneta para a cidade, no caminho das escolas, do escritório, da construção civil ou de outras ocupações. Se regressam ao trabalho agrícola, é a tempo parcial, especialmente no tempo das sementeiras e das colheitas .



Quinta no sítio do Covão.
Rebanho numa quinta.

Casa de quinteiro, em Adenouro.

Casa de quinteiro numa antiga quinta do visconde do Alcaide.


Quinta: em primeiro plano, o palheiro; em segundo plano, a casa de habitação do quinteiro.

Quinta - O palheiro:  no segundo piso, guardava-se a palha e o feno para os animais ; o primeiro piso era o lugar onde eram acomodados os bois, animais de trabalho. 


Lugar de Torrinha, em primeiro plano, onde existiam duas quintas com quinteiros.

Terras baixas do Alcaide, lugar do Prado, em primeiro plano, onde existiram quintas habitadas.
Ruinas de forno em quinta abandonada, no lugar de Fórneas.

Transporte em carro de bois, numa quinta no lugar de Tanque.



Mapa 1 -Quintas habitadas em 1940.


Mapa 2 - Quintas habitadas em 1990.









domingo, 4 de março de 2012

O ALCAIDE PELA PENA DOS SEUS NATURAIS


MINHA TERRA

Por António Salvado Ferreira
(Professor Primário)


Que orgulho eu sinto em dizer minha terra!
Tão justificado ele é, que me leva, meus queridos leitores, a razão ao conhecimento verdadeiro da existência de patriotismo, de bairrismo e de independência. Ai de mim, se não dissesse minha terra! Um patriotismo podre, bairrismo inexistente e o significado da independência morta. Seria um espírito como a plasticina, amolgável a todas as vontades, a todas as ideias e a todos os caprichos que ora me mergulhariam num mar de prazeres, ora noutro de inquietações e de repelões.
Aonde chegava? À vida permanentemente sobressaltada, trazendo-me, consequentemente, para me embrulhar, a túnica da ignomínia e da hipocrisia.
Mas, como tenho aquele orgulho, repito, justificadíssimo, não posso, nem devo deixar de ser bairrista, lutando para a cantar com a sua paisagem digna de ser pintada na mais fina tela com as suas matas enormes de castanheiros e pinheiros, com os seus pomares e vergéis, cujos frutos saborosos são de fama invulgar.
Cantá-la-ei com as suas águas abundantes e cristalinas que, de socalco em socalco, vão chorando saudades de alcaidenses ilustres.
Cantá-la-ei na sua igreja e torre majestáticas, onde, naquela, a talha concretiza a mais fina arte.
Alcaide – minha terra – onde tenho as jóias mais preciosas – meu e minha santa mãe – como todos os pais de lá, que tão bem sabem encaminhar seus filhos no caminho da honradez, do patriotismo e da hospitalidade, eu te saúdo!
Eu te saúdo, Alcaide, que, como sentinela sempre vigilante da Cova da Beira, mostrastete sempre altaneira e altruísta, seguindo a par e passo o caminho do bem comum.
De hoje a oito dias, estarás em festa, festejando com o maior esplendor, S. Pedro, o seu orago.
Que jamais deixes de dar aquele cunho folgazão à custa dos ranchos das tuas raparigas loiras e esbeltas, nos cantares, nas fogueiras e à recepção dos teus visitantes. Que as tuas cantigas, como,

S. Pedro, para ver as moças,
Fez uma fonte de prata;
As moças não vão a ela
E S. Pedro todo se mata.

Sejam cantadas com aquela harmonia, só própria das tuas raparigas, inigualáveis em garganteios semelhantes a trinados de rouxinóis, que nos fazem recordar a quadra do poeta e tantas vezes cantada por elas:

As aves, pelas ramadas,
Cantam todo o santo dia;
Canções lindas, perfumadas,
Canções cheias de alegria.

Alcaide, minha terra, onde a vida se passa quase sem sentir, eu te canto, eu te elevo, eu te saúdo.
Alcaide, XVI/VI/MCXXXVI
(Gardunha, 21 de Junho de 1936)



Alcaide - Praça Joaquim Gil Pinheiro; nota-se o cais da capela de São Sebastião,  1941.