sábado, 31 de março de 2012

PERSONALIDADES ALCAIDENSES

CAPITÃO JOÃO FERREIRA FRANCO E FREIRE

João Ferreira Franco e Freire, avô do Conselheiro João Franco, nasceu no Alcaide em 1779 e faleceu na mesma terra em 1858. Foi capitão do Regimento da Idanha, por altura da Guerra Peninsular, tendo sido condecorado com a Cruz de Guerra Peninsular.
Mais tarde, abraçou a causa do Liberalismo, tendo sido nomeado Provedor do Concelho do Alcaide, por D. Pedro IV, como regente do Reino, em 7 de Agosto de 1834, tendo "atenção ao seu merecimento e adesão à causa da Liberdade".
O capitão Franco e Freire foi nomeado Administrador substituto do Concelho do Fundão, em 1841. 


PERSONALIDADES ALCAIDENSES


JOAQUIM GIL PINHEIRO

                Joaquim Gil Pinheiro, conhecido pelo Pinheirinho, nasceu no Alcaide, em 1855, emigrou para o Brasil, em 1878, onde angariou notável fortuna, como apicultor e fabricante de velas. Morreu em 1926, em Coimbra, e os seus restos mortais encontram-se em jazigo, na cidade de São Paulo, no Brasil.
                A este alcaidense, se ficou a dever a exploração e canalização da água para abastecimento da população, bem como a construção, em 1914, dos chafarizes da Praça, que ostenta uma escultura com seu busto, e do Adro, assim como a construção do tanque dos burros, para os animais se dessedentarem. Tem o seu nome perpetuado na Praça, com um busto no chafariz.
                Publicou: Primícias, Poema dos Principais factos da História do Brasil até à sua Independência, 1900, São Paulo, Roteiro de Lisboa – Histórico, Hidrográfico, Corográfico, Arqueológico e Estatístico, 1905, São Paulo, Brasil, com minuciosas instruções ao viajante, que ainda hoje serve de guia, em Lisboa, Memórias de M’Boy, etnográficas, históricas e etimológicas, Os Dois Carecas, comédia em três actos de costumes portugueses, e Maricas, cena cómica em um acto em três quadros.
                Gil Pinheiro deslocava-se várias vezes ao Alcaide, onde construiu um engenho para fabrico de velas, conhecido como Lagar da Cera, destruído há três anos. O lagar ficou na toponímia alcaidense: a Rua do Lagar da Cera, que começa no lugar onde estava o engenho.


Joaquim Gil Pinheiro

Túmulo de Joaquim Gil Pinheiro, no cemitério de São Paulo, Brasil.

O Chafariz da Praça, com o busto de Joaquim Gil Pinheiro, na altura da inauguração.
O lagar da cera.
Vara da prensa do lagar da cera.
Parede lateral do lagar da cera, com pedras onde estava fixa a vara da prensa.



sexta-feira, 30 de março de 2012

AS QUINTAS NO ALCAIDE

                As quintas foram uma característica dominante na paisagem rural alcaidense, quer como forma de organização para explorar a terra, quer como forma de povoamento disperso, ou, ainda, como forma estruturada da sociedade, diferenciada por estratos consoante o lugar ou a área de habitação, e mesmo perante a contribuição para a sustentação do clero, pois, enquanto os habitantes da povoação davam como folar uma prestação pecuniária indiferenciada, aos moradores das quintas, que viviam nestas em permanência, o costume exigia a dádiva de galinhas ou queijos.
                Quinta é uma exploração agrícola, de relativa extensão, que pode ser propriedade própria, arrendada ou, menos vulgar, de parceria, com casa de habitação, palheiro e cómodos para os animais, na qual, os próprios, os arrendatários ou os parceiros vivem em permanência, sendo denominados quinteiros.
A palavra quinteiro é utilizada tendo como referência o proprietário das terras, o patrão, ou seja, aquele que reside na quinta de alguém ou é quinteiro de alguém, enquanto lavrador tem como referência a profissão ou a ocupação de laborar a terra, que pode ser própria ou de outrem.
                As quintas tiveram muita importância no desenvolvimento da estrutura fundiária alcaidense, com o desbravamento dos terrenos e a ocupação humana.
A maior parte da população alcaidense ainda há poucas décadas patenteava grandes dificuldades económicas, atenuadas, depois de 1970, em virtude da emigração e do abandono da actividade agrícola a tempo inteiro, com a procura de actividades mais interessantes e lucrativas. Até meados do século XX, a maior parte da população ocupava-se nas tarefas agrícolas, com as famílias subsistindo com o trabalho das terras, arrendadas aos patrões, ou trabalhando à jorna, isto é, ao dia, com direito a uma retribuição diária: o salário ou a jorna. A jorna podia ser a seco, paga apenas a dinheiro, e a de comer, quando o trabalho era pago parte em dinheiro e parte em comida.
Até 1976, o trabalho agrícola à jorna ou assalariado processava-se desde o nascer até ao pôr-do-sol, correspondendo o pôr-do-sol ao toque das Trindades ou Ave-Marias. Contam os velhos trabalhadores que os patrões, senhores das terras, davam 100$00 (cem escudos) ao sacristão para tocar o mais tarde possível às Trindades, para obrem mais uns minutos de trabalho
                A maioria da população estava subordinada e dependente de uma dúzia de grandes proprietários, que controlavam não só os aspectos económicos, como também os religiosos e mesmo familiares.
As quintas estão relacionadas com a grande propriedade. As 45 quintas, registadas no Mapa 1, estavam na posse de nove famílias, habitadas por rendeiros. Depois dos anos 70 do século passado, algumas quintas foram vendidas a emigrantes ou a antigos quinteiros e rendeiros, encontrando-se algumas parcialmente cultivadas, especialmente com pomares ou mesmo abandonadas.
                A ocupação humana, na área da freguesia, evoluiu ao longo do século passado, reflectindo-se na situação económica e nas mentalidades. A população era identificada pelo lugar em que habitava. Os indivíduos do povo residiam na povoação, os quinteiros habitavam nas quintas, os moleiros moravam nas azenhas. Incluído nas quintas, encontrava-se um pequeno grupo de ferroviários, os da estação, a residir nas imediações da Estação dos Caminhos-de-Ferro.
                Em 1911, em fase de expansão populacional e ocupação dos campos, habitavam nas quintas e nas azenhas 148 pessoas, 11% da população total, que era de 1.356 almas.
                Em 1940, os campos do Alcaide albergavam o máximo de moradores, com 317 quinteiros, moleiros e ferroviários, ou seja 20% da população total de 1.521 habitantes, em 45 quintas (Mapa 1), 13 azenhas e Estação de Caminhos-de-Ferro.
                Em 1960, embora com um nítido abandono das terras, ainda habitavam 255 pessoas, nas quintas, nas azenhas e na Estação, numa percentagem de 21% da população total, que era de 1.237 almas. A percentagem de habitantes fora do povo é sensivelmente igual à observada em 1940, porque a saída para a emigração e para as cidades se verificou, simultaneamente, tanto nos habitantes da povoação, como nos das quintas.
                Em 1981, as quintas estão quase despovoadas, apenas com 23 residentes, 3% de uma população total de 769 habitantes.
Em 1990, viviam fora da povoação 25 pessoas, em nove quintas, uma azenha e Estação de Caminhos-de-Ferro, desconhecendo-se o total da população que deve ter diminuído desde o censo de 1981 (Mapa 2).
                Actualmente, apenas estão habitadas quatro explorações agrícolas, semelhantes às tradicionais quintas, orientadas para a subsistência familiar, com excedentes para o mercado, com as famílias a viverem junto das terras, três do Alcaide e uma oriunda de outra localidade, além de uma exploração, com razoáveis dimensões, orientada para a pomaricultura. Das  azenhas, resta uma que não funciona há uma década, já sem a roda motora.
                Em finais do século XX, as quintas habitadas situavam-se nas imediações da estrada. As pessoas habituaram-se a uma nova visão do mundo, a um novo estilo de vida e rejeitaram viver no isolamento dos campos.
                Os trabalhadores deslocam-se para as tarefas agrícolas e regressam à sua casa, no povo, onde habitam regularmente, com melhor conforto. A população passou a viver no povoado, perdeu-se o povoamento disperso, que animou a paisagem rural alcaidense durante décadas, porque os tempos mudaram. Da vivência campesina, ficaram marcas visíveis, como as habitações abandonadas, algumas em ruína.
                Em 1991, foi iniciada a electrificação das zonas rurais alcaidenses, o que melhorou as condições de vida das pessoas residentes em quintas e beneficiou as terras, mediante as novas condições de trabalho que a energia proporciona.
                Os jovens de hoje mercê de outros atractivos mais interessantes e de novas mentalidades, em vez de seguirem os caminhos do trabalho rural, apanham a camioneta para a cidade, no caminho das escolas, do escritório, da construção civil ou de outras ocupações. Se regressam ao trabalho agrícola, é a tempo parcial, especialmente no tempo das sementeiras e das colheitas .



Quinta no sítio do Covão.
Rebanho numa quinta.

Casa de quinteiro, em Adenouro.

Casa de quinteiro numa antiga quinta do visconde do Alcaide.


Quinta: em primeiro plano, o palheiro; em segundo plano, a casa de habitação do quinteiro.

Quinta - O palheiro:  no segundo piso, guardava-se a palha e o feno para os animais ; o primeiro piso era o lugar onde eram acomodados os bois, animais de trabalho. 


Lugar de Torrinha, em primeiro plano, onde existiam duas quintas com quinteiros.

Terras baixas do Alcaide, lugar do Prado, em primeiro plano, onde existiram quintas habitadas.
Ruinas de forno em quinta abandonada, no lugar de Fórneas.

Transporte em carro de bois, numa quinta no lugar de Tanque.



Mapa 1 -Quintas habitadas em 1940.


Mapa 2 - Quintas habitadas em 1990.









domingo, 4 de março de 2012

O ALCAIDE PELA PENA DOS SEUS NATURAIS


MINHA TERRA

Por António Salvado Ferreira
(Professor Primário)


Que orgulho eu sinto em dizer minha terra!
Tão justificado ele é, que me leva, meus queridos leitores, a razão ao conhecimento verdadeiro da existência de patriotismo, de bairrismo e de independência. Ai de mim, se não dissesse minha terra! Um patriotismo podre, bairrismo inexistente e o significado da independência morta. Seria um espírito como a plasticina, amolgável a todas as vontades, a todas as ideias e a todos os caprichos que ora me mergulhariam num mar de prazeres, ora noutro de inquietações e de repelões.
Aonde chegava? À vida permanentemente sobressaltada, trazendo-me, consequentemente, para me embrulhar, a túnica da ignomínia e da hipocrisia.
Mas, como tenho aquele orgulho, repito, justificadíssimo, não posso, nem devo deixar de ser bairrista, lutando para a cantar com a sua paisagem digna de ser pintada na mais fina tela com as suas matas enormes de castanheiros e pinheiros, com os seus pomares e vergéis, cujos frutos saborosos são de fama invulgar.
Cantá-la-ei com as suas águas abundantes e cristalinas que, de socalco em socalco, vão chorando saudades de alcaidenses ilustres.
Cantá-la-ei na sua igreja e torre majestáticas, onde, naquela, a talha concretiza a mais fina arte.
Alcaide – minha terra – onde tenho as jóias mais preciosas – meu e minha santa mãe – como todos os pais de lá, que tão bem sabem encaminhar seus filhos no caminho da honradez, do patriotismo e da hospitalidade, eu te saúdo!
Eu te saúdo, Alcaide, que, como sentinela sempre vigilante da Cova da Beira, mostrastete sempre altaneira e altruísta, seguindo a par e passo o caminho do bem comum.
De hoje a oito dias, estarás em festa, festejando com o maior esplendor, S. Pedro, o seu orago.
Que jamais deixes de dar aquele cunho folgazão à custa dos ranchos das tuas raparigas loiras e esbeltas, nos cantares, nas fogueiras e à recepção dos teus visitantes. Que as tuas cantigas, como,

S. Pedro, para ver as moças,
Fez uma fonte de prata;
As moças não vão a ela
E S. Pedro todo se mata.

Sejam cantadas com aquela harmonia, só própria das tuas raparigas, inigualáveis em garganteios semelhantes a trinados de rouxinóis, que nos fazem recordar a quadra do poeta e tantas vezes cantada por elas:

As aves, pelas ramadas,
Cantam todo o santo dia;
Canções lindas, perfumadas,
Canções cheias de alegria.

Alcaide, minha terra, onde a vida se passa quase sem sentir, eu te canto, eu te elevo, eu te saúdo.
Alcaide, XVI/VI/MCXXXVI
(Gardunha, 21 de Junho de 1936)



Alcaide - Praça Joaquim Gil Pinheiro; nota-se o cais da capela de São Sebastião,  1941.

A FOLIA DO ESPÍRITO SANTO


O dito Espírito Santo do Alcaide. O Padre Eterno tem nas mãos a cruz com Cristo e sobre a cruz pousa a pomba, símbolo do Espírito Santo. 

A Confraria do Espírito Santo, como qualquer outra, constava dum Juiz, Secretário e Tesoureiro. A nomeação era feita, todos os anos na Igreja, como se tratasse da eleição dos mordomos para uma festa. Além dos dirigentes da Confraria eram nomeados um Rei, um Alferes e dois mordomos. Livremente, eram escolhidos os compo-nentes da Folia – um Tambor, um Viola e dois Pandeiros. O acto de posse das novas dignidades efectuava-se no Domingo do Espírito Santo, para saírem pela primeira vez no Domingo da Santíssima Trindade.
A entrega da bandeira fazia-se à porta da casa do novo tesoureiro. Era levada pelo Alferes velho, que também conduzia, pela mão, o Rei, que era sempre uma criança e levava, na outra mão, uma bandeirinha. Os da Folia eram precedidos sempre da gente do povo.
Chegados à casa do novo tesoureiro, este punha-se de joelhos e o da viola começava a cantar, repetindo, depois, os outros:

Viva o nosso Tesoureiro,
Que o vimos visitar,
E a bandeira do Espírito Santo,
Aqui lhe vimos entregar.

O antigo Tesoureiro dava, então, a bandeira a beijar ao novo, o qual fazia sinal de assentimento. Os da Folia continuavam:

Viva o nosso Tesoureiro novo,
Que aceitou com alegria;
Que o Divino Espírito Santo
Lhe sirva de companhia.

Viva o nosso Tesoureiro novo,
Que aceitou com devoção;
O Divino Espírito Santo
Fica bem na sua mão.

Só depois de cantada a última cantiga se lhe entregava a bandeira que ficava na sua posse até ao ano seguinte.
Feita a entrega da bandeira ao Tesoureiro, iam todos à casa do novo Alferes a quem faziam a entrega do fiel. Como à porta do Tesoureiro, cantava-se:

Viva o nosso Alferes novo.
Aqui o vimos visitar:
O fiel do Espírito Santo
Lhe vimos entregar.

Viva o nosso Alferes novo,
Que aceitou com alegria:
O fiel do Espírito Santo
Lhe sirva de companhia.

Viva o nosso Alferes novo,
Que aceitou com devoção;
O fiel do Espírito Santo
Fica bem na sua mão.

Repetiam-se as mesmas cerimónias e de igual modo faziam à porta do novo Rei, a quem entregavam a bandeirinha, e dos mordomos, a quem entregavam as opas.
Todos os domingos, da Páscoa até à Santíssima Trindade, inclusive, depois do toque da primeira à missa ia todo o povo buscar o Rei a casa. À porta deste, compareciam todos os membros da Folia. O da viola começava a cantar e logo os outros repetiam:

Saia fora o Senhor Rei.
Venha-nos de lá a acompanhar,
Sem a sua companhia,
Não podemos navegar.
      E logo que o Rei aparecia:

Viva o nosso rei novo,
Que serve com devoção;
Vai na nossa companhia,
Com a sua vara na mão.

A vara era uma pequena bandeira. O Rei era sempre um rapaz de menos de catorze anos e era conduzido pela mão do Alferes. Feito isto, dirigiam-se para a casa do Tesoureiro a quem pediam a bandeira, cantando na forma do costume:

Ó Divino Espírito Santo,
Andai e saí à rua:
Vinde dar as boas-festas,
A toda a fiel criatura.

Senhor Alferes Maior,
Queira pegar na bandeira;
Que o Espírito Santo dá licença
E a Senhora da Oliveira,

O Alferes novo aceitava a bandeira, conduzia-a no fiel e iam todos para a Igreja. À porta da Igreja, cantavam:

Santíssimo Sacramento,
Que estais na Vossa tribuna,
Mandai entrar o Espírito Santo,
Que está cá fora na rua.

Na forma do costume, era o da viola que cantava, acompanhado pelos pandeiros e tambor, e o povo repetia. Cantada quatro vezes esta quadra, davam entrada na Igreja, depunham a bandeira encostada à parede e metida m suporte e à frente colocavam as duas lanternas levadas pelos mordomos, compostas sempre a primor.

Terminada a missa, os da Folia saíam para fora da Igreja e nela ficava o Alferes com a bandeira na mão. O da viola começava:

Divino Espírito Santo,
Andai e saí à rua;
Vinde dar as boas-festas,
Aleluia! Aleluia!

Divino Espírito Santo,
Andai e saí cá fora;
Vinde dar as boas-festas,
Ao Divino Rei da Glória.

Então, todos saíam e davam volta a todo o povo cantando:

O Divino Espírito Santo
Vai na nossa companhia;
Com Jesus Cristo nos braços;
Filho da Virgem Maria.

Ó Divino Espírito Santo.
A pombinha quer voar;
Vai dar notícias ao Senhor,
Das almas que estão a penar.

O Divino Espírito Santo
Vai formado na bandeira;
Com Jesus Cristo nos braços,
E a Virgem na dianteira.

A Virgem da Oliveira
Tem um arquinho de pedra;
Onde vão os passarinhos,
A cantar, na Primavera.

O Divino Espírito Santo
Já vem chegando ao adro;
Vem dar as boas-festas
À Senhora do Rosário.

A Senhora do Rosário
Tem um rosário na mão;
Que lhe puseram nos braços,
Quinta-feira de Ascensão.

O Divino Espírito Santo
Já vem chegando à Praça,
Vem pedindo ao Senhor
Que nos dê a sua graça.

O Divino Espírito Santo
Vem para a sua capela;
Com duas velas acesas,
Que alumiam mar e terra.

Ó Divino Espírito Santo,
Que estais no vosso altar;
Este vosso estandarte,
Senhor, deixai-o entrar,

Nos sete domingos da Páscoa, quase sempre a missa da manhã era na capela do Espírito Santo, donde, depois, saíam para a Igreja para assistir à do dia. Dada a volta ao povo, no fim da missa, iam à casa do tesoureiro entregar a bandeira e as lanternas, e à do Rei entregar o fiel, a bandeirinha, os pandeiros e a viola. O tamboreiro levava o tambor para casa para tocar a alvorada, todas as tardes de sábado e madrugadas de domingo, acompanhado do garotio, parando à porta dos dirigentes da Confraria e dos componentes da Folia.
Como se disse, os novos membros, escolhidos pelos velhos e lidos os nomes na Igreja, tomavam posse no Domingo do Espírito Santo e serviam, pela primeira vez, no Domingo da Santíssima Trindade.

Ramo ou leilão de ofertas à porta da capela, após a Missa, no domingo do Espírito Santo.


A VOZ DOS SINOS

Até há poucos anos, o sino comandava a vida da aldeia. Marcava a manhã, o meio-dia e o começo da noite, no ritmo do trabalho de sol-a-sol. Com o toque das Trindades, convidava a rezar. Ainda repica na alegria das festas, dobra na dor dos óbitos, toca a rebate nos incêndios, chama para a Missa e anuncia os baptizados. O sino é, sem dúvida, uma instituição da aldeia. É património do povo, que o distingue de todos os outros.
O povo, irmanando-se com os sinos, leva-os a falarem uns com os outros, que a tradição oral regista. São interessantes, para o imaginário rural, as onomatopeias ou falas dos sinos, nas suas disputas, em que vence sempre o da própria terra.
Nos anos oitenta do século XX, foi recolhida, no Alcaide, a seguinte onomatopeia fonético-ideológica, relativa aos timbres dos sinos das Donas, de Valverde, da Fatela e do Alcaide.
Diz o sino da Fatela, com voz de mulher rouca, empertigando-se no seu baixo campanário:
“Tem lêndeas! Tem lêndeas! Tem lêndeas!”
Argumenta o de Valverde, com voz de rapariga esganiçada:
“Se tem, tira-lhas! Se tem, tira-lhas! Se tem, tira-lhas!”
Pergunta o sino das Donas, com o seu tom de cana rachada:
“Com quê? Com quê? Com quê?
O sino do Alcaide, senhor do seu nariz, com a voz forte e bem timbrada, no alto da sua linda torre, responde:
“C’um badalão! C’um badalão! C’um badalão!


A torre do Alcaide.